Após 51 dias sem atualizar a situação, Doria utilizou apenas a última semana como referência para mudar status do estado
Doria e o secretário da Saúde usaram os dados mais convenientes para amenizar a piora na pandemia em São Paulo - Governo de São Paulo
O governador paulista João Doria (PSDB) colocou hoje (30), um dia após a eleição municipal, todo o estado de São Paulo na fase amarela do Plano São Paulo, que coordena a flexibilização da quarentena e a abertura do comércio em meio à pandemia do coronavírus. Com isso, as regiões da Grande São Paulo – incluindo a capital –, da Baixada Santista, de Campinas, Piracicaba e Taubaté recuam da fase 4-verde, para a fase 3-amarela. No entanto, o governador utilizou apenas os dados da última semana, desconsiderando que a reclassificação das regiões não ocorria há cerca de 50 dias. Com isso, faz a situação parecer mais branda do que mostravam os dados de novos casos, internações e mortes das últimas semanas.
Na última classificação, em 9 de outubro, Doria informou que as atualizações do Plano São Paulo passariam a ser mensais, comparando um período de 28 dias com os 28 dias anteriores. A alteração foi justificada como uma forma de evitar distorções ocorridas com elevações de casos, mortes e internações em períodos curtos, que pudessem levar a medidas mais restritivas sem realmente indicar agravamento significativo.
Em meio à eleição municipal, Doria adiou a reclassificação – que deveria ter ocorrido em 16 de novembro – para esta segunda-feira (30). A justificativa foi o apagão de dados no Ministério da Saúde, ocorrido nos dias 5 e 6 de novembro. No entanto, as informações sobre São Paulo que o ministério utiliza são produzidas pelo próprio governo paulista. Doria tinha os dados e não dependia da pasta federal para reavaliá-los.
Com a mudança, o estado ficou 50 dias sem uma reavaliação do estado da pandemia. No dia em foi anunciado o adiamento da reavaliação, Doria disse que passariam a ser utilizados os comparativos das duas semanas anteriores. Mas hoje o governador utilizou apenas a última semana como parâmetro para definir que todo o estado voltaria para a fase amarela do Plano São Paulo, desconsiderando as outras semanas, em que a piora na pandemia foi mais grave. A análise segundo critérios que ele mesmo estabeleceu poderia levar algumas regiões paulistas para a fase laranja ou vermelha.
Que critérios?
Por exemplo: na semana de 8 a 14 de novembro foram registrados 5.927 novos casos de covid-19. Na semana seguinte (15 a 21) foram 5.430. Muito acima dos 3.800 registrados logo após algumas regiões passarem para a fase verde. No entanto, o dado utilizado foi apenas o da última semana (22 a 28), quando foram registrados 4.666 novos casos, o que, comparado com a semana anterior, resultou numa queda de 14% nos novos casos. Apesar de a média móvel estar em clara ascensão, conforme indicam os boletins diários do Conselho Nacional de Secretários de Saúde, o Conass.
Além disso, o secretário de Estado da Saúde, Jean Gorinchteyn, admitiu que a redução de casos registrados na última semana se deveu a uma redução no número de testes para a detecção do novo coronavírus aplicados na população. “O que nós observamos é que em alguns municípios houve uma diminuição da testagem. Nós que chegamos, há algumas semanas, a praticamente 100 testes para cada 100 mil habitantes, recebemos a notificação na semana passada que chegamos a 68 testes para cada 100 mil habitantes”, disse Gorinchteyn. Isso significa uma redução de, aproximadamente, 15 mil testes na semana.
Casos x Mortes
No caso das mortes por covid-19, a distorção é ainda maior. Isso porque o governo Doria comparou apenas as mortes notificadas na última semana, com as mortes notificadas na semana anterior. Com isso, o resultado foi um aumento de 12%. Mas as notificações de mortes levam muito mais tempo para ocorrer e o intervalo de apenas dois dias entre o último levantamento (28 de novembro) e a respectiva divulgação deixou de fora muitas mortes que só serão notificadas hoje e nos próximos dias, mas que ocorreram antes.
Além disso, os dados do governo paulista apontam que foram notificadas, em média, 101 mortes no estado na semana de 15 a 21 de novembro e 113 na última semana (22 a 28). Na semana anterior, porém, a média foi de 119. E se comparado com o período em que as regiões avançaram para a fase verde (média de 249 mortes), teria um aumento de 34%. Um maior aumento nas mortes seria determinante para que São Paulo retrocedesse mais que à fase amarela.
No caso das internações, a comparação apenas dos dados da última semana com a semana anterior resultou num aumento de 7%. Se fosse considerado o intervalo de duas semanas, comparando a semana de 15 a 28 de novembro, com a semana de 1 a 14 de novembro, o aumento seria de 28,6%. O que levaria o estado para uma fase mais restritiva do plano. Só duas regiões não tiveram piora nas internações: Araçatuba e Ribeirão Preto.
Todos os indicadores a partir de 1,01 representam agravamento na pandemia
Mesmo com a escolha dos dados pelo governo Doria, o aumento de internações atingiu 15 regiões do estado e o aumento de mortes chegou a 10 regiões.
“Não há desculpa”
Para o médico sanitarista e ex-ministro da Saúde Arthur Chioro está clara a condução política da situação pelo governo Doria. “Não há desculpa que sustente o que é obvio: seguraram a adoção de medidas para depois do segundo turno. Já havia evidência objetiva do aumento de casos, óbitos e internações há pelo menos quatro semanas – três semanas de forma clara e indiscutível. A adoção das medidas foi protelada por cálculo político, e não por critérios técnicos e científicos”, criticou.
Doria afirma agora que a situação vai ser avaliada semanalmente, mas marcou a próxima classificação para 4 de janeiro de 2021. Nesta terça (1º), o governo vai se reunir com prefeitos de 62 cidades onde os indicadores da pandemia estão mais graves. A capital paulista não foi incluída. Hoje, a taxa de ocupação de UTI no estado é de 52,2%. Na Grande São Paulo é de 59,1%.
O retorno à fase amarela praticamente não altera o funcionamento do comércio e dos serviços. Os estabelecimentos passam a receber no máximo 40% da lotação do espaço – era 60%. O funcionamento fica limitado a 10 horas por dia – eram 12 horas – até as 22h. E os eventos culturais, esportivos, religiosos ou empresariais não podem mais receber público em pé.
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