Queda no valor das entregas e fim dos bloqueios indevidos estão entre as principais reivindicações. Consumidor pode ajudar boicotando os aplicativos
São Paulo – Para barrar a sanha dos aplicativos que se alimentam da exploração, entregadores prometem parar as atividades nas principais cidades do Brasil nesta quarta-feira (1º). A greve deve alcançar outros países da América Latina, como Argentina, Chile e México, já que as mesmas empresas estão presentes em diversos locais.
As principais reivindicações são o aumento do valor mínimo das entregas e dos pagamentos recebidos por quilômetro rodado. Eles querem o fim dos bloqueios indevidos. Por outro lado, também consideram injustos os sistemas de pontuação das plataformas.
Em meio à pandemia, pedem ainda o custeio pelas empresas dos equipamentos de proteção individual (EPIs) – luva, máscara, álcool em gel – e licença remunerada para os trabalhadores que foram contaminados. Além disso, os entregadores reivindicam benefícios, como vale-refeição e seguro contra roubo, acidente e de vida.
Em São Paulo, os entregadores marcaram pontos de encontro, às 9h, em cada zona da cidade, na região central, e também em Barueri, Osasco, Embu das Artes e no ABC. Primeiramente, devem percorrer as respectivas regiões, buscando a adesão dos demais colegas. Na sequência, se encontrarão às 14h, na Avenida Paulista, onde realizam uma manifestação.
Posteriormente, ainda na parte da tarde, os entregadores se dirigem até a Ponte Estaiada, na Marginal Pinheiros, zona sul da cidade. Além de “brecar” as entregas do jantar, eles querem que a TV Globo faça a cobertura da manifestação, no horário do jornal local.
Competição
Ifood, Rappi, James, Uber Eats, por exemplo, se definem como empresas de tecnologia, sem vínculos com os trabalhadores. Quando surgiram, as remunerações satisfatórias e a flexibilidade da jornada eram os principais atrativos. Contudo, com o aumento do desemprego e da informalidade, muitos encontraram o seu ganha pão nessa função. Por outro lado, com maior oferta de mão de obra, a concorrência aumentou. Consequentemente, o valor pago aos entregadores caiu.
Pesquisa on-line realizada pela Rede de Estudos e Monitoramento da Reforma Trabalhista (Remir Trabalho), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), mostra que 68,9% dos entregadores tiveram queda nos ganhos durante a pandemia.
Antes, 17% diziam ganhar em torno de um salário mínimo (R$ 1.045). Agora, são 34%, um terço do total. Por outro lado, caiu para 26,7% a proporção dos que afirmavam ganhar acima de dois salários mínimos. Antes da pandemia, eram mais da metade (51%).
Insatisfeitos
A reportagem ouviu relatos de três entregadores para saber mais sobre as condições que levaram à greve. As insatisfações não são recentes. Para além da inexistência de direitos, eles reclamam que não recebem qualquer tipo de apoio das plataformas. Agora, com o aumento dos riscos para a saúde e a queda nos rendimentos, a situação se tornou insustentável.
“Motoca”
O entregador conhecido como Mineiro (preferiu não se identificar para evitar eventuais punições) conta que eles se articulam por meio de grupos de WhatsApp. As conversas com vistas à paralisação começaram há cerca de um mês. Ele tem 30 anos, e trabalha há três como entregador de aplicativo. É morador do Parque Bristol, zona sul de São Paulo, mas se desloca fazendo entregas por toda a região metropolitana.
Na sua percepção, o número de “motocas” aumentou cerca de três vezes nos últimos anos. “Se você parar num semáforo aqui, em São Paulo, tem no mínimo 20 motos naquela área reservada. Dessas 20, 19 são entregadores, entendeu?”. Com o aumento da concorrência, o valor pago pelo quilômetro rodado caiu de cerca de R$ 1,5 para R$ 0,93. “Eles estão de brincadeira com a nossa cara. A gasolina aumentou de novo. E a gente não tem condições de ficar bancando.”
Ele também reclama dos bloqueios indevidos. “Quando você é mandado embora de uma empresa, tem que ter uma justificativa. Mas não, eles simplesmente te bloqueiam. Se a pessoa fica doente, eles te bloqueiam. Sofre um acidente, te bloqueiam. Se o cliente reclama, a gente não tem defesa nenhuma, porque simplesmente não tem como falar com os aplicativos.”
Durante a pandemia, Mineiro diz que uma das empresas passou a oferecer máscaras e álcool em gel por apenas dois dias. Mesmo assim, só depois que cerca de 400 entregadores decidiram protestar. Sobre o auxílio para os trabalhadores contaminados, ficou na promessa. “Nunca foi repassado. Até hoje, o único auxílio que eles receberam foi um bloqueio na tela, sem justificativa.” Por esses motivos, ele espera uma adesão à paralisação de “pelo menos 98%” dos colegas.
Ex-empreendedor
Rafael Ferreira, de 33 anos, mora na região da Tijuca, zona norte do Rio de Janeiro. Ele conta que começou a fazer entregas quando era sócio de um restaurante. Com o fim da sociedade, passou a se dedicar exclusivamente aos aplicativos. No início, há cerca de dois anos, trabalhava “no máximo seis horas por dia”, seis dias por semana. Era o suficiente para garantir o sustento da família.
“Agora, só saio da rua quando bato a minha meta em dinheiro. Pode ser 9 horas da noite, 10, 11. Num dia bom, acabo mais cedo. Não é uma coisa fixa. Mas, com certeza, é preciso trabalhar bem mais hoje para sobreviver do que antigamente.”
Rafael relata que trabalhava apenas com o Ifood. Hoje, está cadastrado em seis aplicativos de entrega. Em um deles, o Uber Eats, foi impedido de trabalhar. “Não me deram a menor justificativa. Simplesmente me bloquearam.”
O pagamento inferior a R$ 1 por quilômetro rodado torna a função praticamente inviável, segundo Rafael. Até porque as empresas não pagam pelo deslocamento até a coleta do produto. Também reclama da falta de infraestrutura para os entregadores, que não contam com elementos básicos, como banheiro e local para fazer as refeições.
Ele lembra que são empresas de entrega, mas que não têm uma única motocicleta. “Tomara que, no dia 1º, os entregadores consigam mostrar a sua força”, afirma. Mas ele teme que muitos colegas “furem a greve” para se beneficiar das melhores taxas oferecidas no dia.
Pedalando
Os jovens que fazem entregas com bicicletas recebem valores ainda menores. Adriano Negocek, de 23 anos, é estudante de Física na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Morador de Almirante Tamandaré, região metropolitana de Curitiba, ele pedala quase todos os dias cerca de 10 quilômetros até o centro da capital, na hora do almoço. Começou a trabalhar como entregador, no final de 2018, após ser demitido de seu emprego anterior. Apostou na flexibilidade da jornada para poder conciliar o trabalho com os estudos.
Ele conta que tirava, em média, R$ 60 por dia. Agora, durante a pandemia, o rendimento diário caiu para menos de R$ 20 reais. “O valor caiu muito, não só por conta da pandemia. Não sei se é menor o fluxo de pedidos, ou se é pela concorrência que aumentou.” Por conta das entregas, Adriano também revela o receio de contaminar a sua mãe, que é do grupo de risco.
Ele almoça no restaurante universitário, mas sabe que a alimentação é um problema para a maioria dos seus colegas entregadores. Seja pelo preço cobrado pelos restaurantes na região central, onde é maior a demanda por entregas, seja pela falta de um local adequado para aqueles que levam marmita. Adriano também teme que alguns colegas entregadores não participem da greve, com medo de sofrerem bloqueios posteriores.
O consumidor e a greve
Os consumidores também podem ajudar a luta dos entregadores. Acima de tudo, eles solicitam que as pessoas não peçam comida pelos aplicativos neste dia. Se não puderem cozinhar, que se dirigm diretamente aos restaurantes. Além disso, pedem que os consumidores avaliem com a menor nota esses aplicativos, nas lojas virtuais. E deixando também comentários para denunciar a exploração dos trabalhadores.