Fita diagnóstica feita com anticorpos produzidos por peixes permitiu gerar testes cinco vezes mais baratos que os atuais; equipe foi premiada em hackathon internacional
A equipe liderada pelo pós-doutorando do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP Ives Charlie da Silva criou um aplicativo utilizando o zebrafish (peixe paulistinha) para gerar testes para a covid-19 cinco vezes mais baratos que os atuais. Composta de cientistas de diversas áreas, eles desenvolveram uma fita diagnóstica com um QR code que, ao ser lido por um aplicativo, fornece rapidamente o resultado – positivo ou negativo – para covid-19. Com essa inovação, a equipe foi premiada com o terceiro lugar no Global Virtual Hackathon COVID19, competição internacional que premiou ideias inovadoras referentes ao novo coronavírus.
O hackathon é uma “maratona hacker” temática que envolve pessoas de diversas áreas do conhecimento e tem como objetivo solucionar um problema com o desenvolvimento de sistemas ou aplicativos. O projeto deve ser iniciado do zero e completado em um curto período de tempo.
No caso do Global Virtual Hackathon COVID19, o foco da maratona era o desenvolvimento de ideias inovadoras sobre o novo coronavírus. O pesquisador Ives Charlie, que já tinha experiência em competições internacionais de hackathon, conta ao Jornal da USP que teve 24 horas para montar uma equipe multidisciplinar e avançar o projeto.
A ideia foi desenvolver um teste rápido e barato de diagnóstico de covid-19 utilizando o zebrafish, mais conhecido como peixe paulistinha. Uma proteína do novo coronavírus foi aplicada no peixe. O animal gerou anticorpos que foram passados para seus ovos após serem colocados para reproduzirem, e esses anticorpos foram usados para fazer uma fita diagnóstica. Cada fita possui um QR code para ser lido no aplicativo que dá, rapidamente, o resultado: positivo ou negativo para covid-19.
“Conseguimos com a professora Cristiane Carvalho, que trabalha em conjunto com os professores Edison Durigon, ambos do ICB, e Shaker Chuck Farah, do Instituto de Química da USP, diferentes fragmentos de uma proteína do novo coronavírus chamada spike. Nós a injetamos no Zebrafish e isolamos os anticorpos dos ovos”, contou ao Jornal da USP Ives Charlie.
O grupo concorreu entre mais de 600 projetos de 40 diferentes países, e o projeto conta com o ICB em colaboração com outras universidades e instituições.
Ciência aliada à tecnologia
De acordo com o pesquisador, o objetivo seria a produção destes testes rápidos em larga escala para que as pessoas pudessem adquirir em farmácias e fazer em casa. “A pessoa utilizaria um swab (haste flexível) para coletar saliva e colocaria na fita diagnóstica para reagir com os anticorpos de covid-19. Para obter o resultado, ela abriria o aplicativo e leria o QR code da fita”, explicou.
Com o aplicativo é possível fazer o monitoramento por georreferenciamento das pessoas que testaram positivo para o novo coronavírus a partir da localização. Além disso, órgãos de saúde pública também são notificados. O aplicativo também faz um acompanhamento, através de perguntas, dos principais sinais clínicos da doença, como tosse e febre, por 14 dias.
“Um dos nossos diferenciais é este: o governo ou uma agência sanitária será informada. Hoje, o Ministério da Saúde tem que ficar ligando para as pessoas com sinais clínicos da doença. No aplicativo, a pessoa mesma pode ir informando”, ressaltou Ives Charlie.
Por que o zebrafish?
O zebrafish é um ótimo modelo animal para desenvolver anticorpos contra o novo coronavírus pensando-se em escala global. O animal adulto possui até 5 centímetros de comprimento, o que otimiza o espaço para sua criação. Isso faz com o custo do teste seja reduzido em cinco vezes. Outro ponto levantado por Ives Charlie é o fato de que o peixe não precisa ser abatido para a aquisição desses anticorpos.
“Essa técnica já é usada no mercado com galinhas ou ratos, por exemplo. Estamos adaptando para o peixe. O zebrafish é um excelente modelo experimental”, ressaltou o pesquisador.
O teste está em fase de validação. Agora a equipe está trabalhando para quantificar a concentração de anticorpos necessária para fazer o mapeamento de quantos peixes serão necessários para produção em escala global.
Em colaboração com o Centro de Estudos em Doenças Inflamatórias (CRID) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, amostras dos Zebrafish imunizados com a proteína da covid-19 foram enviadas para o grupo liderado pelo professor Thiago Cunha para estudar os parâmetros de neuroinflamação causada pela doença.
O Global Virtual Hackathon COVID19 foi sediado no Azerbaijão e aconteceu nos dias 10 e 12 de abril. Foram 600 projetos de 45 países diferentes. O evento foi organizado pelo Ministério dos Transportes, Comunicações e Alta Tecnologia do Azerbaijão em conjunto com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.
A equipe é formada pelo bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) Ives Charlie da Silva, pesquisador do Departamento de Farmacologia do ICB, liderado pela professora Letícia Lotufo. Também participam da equipe Juliana Moreira Mendonça Gomes e Letícia Gomes de Pontes, ambas do ICB (laboratórios dos professores Niels Olsen e Antônio Condino-Neto); Bianca Helena Ventura Fernandes, do biotério central da Faculdade de Medicina (FMUSP) da USP – Unidade Zebrafish; Roger Chammas, diretor do biotério central da FMUSP; Luciani Carvalho, coordenadora do núcleo Multiusuários de Zebrafish da FMUSP; Natália Feitosa, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em Macaé; Marco Belo, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Jaboticabal; Ilo Rivero, da Pontifícia Universidade Católica (PUC), em Minas Gerais; Bruno Nascimento, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); e Kátia Conceição, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Confira como o aplicativo funciona: