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O cientista que perdeu a bolsa de pesquisa enquanto estudava o novo coronavírus


Todos os dias, o biomédico Ikaro Alves de Andrade chega por volta 7h30 da manhã ao laboratório onde trabalha, no prédio do Instituto de Biologia (IB) da Universidade de Brasília.

No momento, está trabalhando no sequenciamento genético dos casos do novo coronavírus no Distrito Federal — estudos deste tipo estão sendo feitos em todo o Brasil, e são fundamentais para entender o comportamento da epidemia.

Agora, a continuidade dos estudos de Ikaro está ameaçada: no começo da semana passada, ele descobriu que não poderá contar com uma bolsa de estudos.

Aprovado em 1º lugar no programa de doutorado em biologia microbiana da UnB, o pesquisador contava com os recursos da bolsa paga pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). No doutorado, a bolsa é de cerca de R$ 2,2 mil mensais.

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"Fiquei sabendo (que não teria bolsa) alguns dias atrás. Primeiro fiquei sabendo da Portaria 34 (da Capes), e que estávamos sofrendo sucessivos cortes de bolsas. Depois, liguei para a coordenação do meu curso, perguntando. E aí me disseram que as bolsas estavam comprometidas (cortadas)", contou Ikaro à BBC News Brasil na tarde da terça-feira (31).

Concentração de bolsas

A Portaria 34 a que Ikaro se refere é uma decisão da Capes publicada no dia 18 de março deste ano. O ato mudou os critérios para a concessão de bolsas de pesquisa no país — mas o órgão nega que ele tenha resultado em cortes no número total de pesquisadores apoiados.

Em nota publicada em seu site, a Capes disse que 20% dos cursos de pós-graduação do país viram o número de bolsas de estudo cair, mas em 42% dos cursos de mestrado e doutorado, o número de pesquisadores que recebem bolsa subiu.

Em relação ao ano passado, são 3,3 mil bolsas a mais, diz a Capes. O número total passou de 81,4 mil bolsas para quase 85 mil, segundo o órgão.

Em nota à reportagem da BBC News Brasil, a Capes diz que o programa de pós-graduação de Ikaro ficou sem bolsas por ter nota 4 na avaliação da instituição. E ressaltou que Ikaro não "perdeu" nada, apenas ficou sem o incentivo porque seu curso não obteve bolsas.

"Por ser nota 4, (o curso) não receberá nenhuma bolsa da ação emergencial (de enfrentamento ao coronavírus)", diz ainda a nota da Capes.

Os critérios da fundação, porém, são questionados por alguns: um integrante da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) do Ministério Público Federal (MPF) recomendou à fundação que revogue a portaria. Já a associação dos estudantes de pós-graduação, a ANPG, disse que a medida contribuiu para concentrar as bolsas nos cursos com nota cinco.

Nos últimos dias, acelerou-se o crescimento da epidemia do novo coronavírus no Brasil. Na tarde desta terça-feira (31), o Ministério da Saúde anunciou que o país confirmou 1.138 novos casos da doença, um recorde. Ao todo, são 5.717 infecções confirmadas no Brasil, e 201 pessoas morreram em decorrência da covid-19. Desses óbitos, 136 ocorreram no Estado de São Paulo.

Sequenciamento está acontecendo no país inteiro

O Laboratório de Virologia da UnB, onde Ikaro trabalha, é apenas um dos vários grupos que estão fazendo o sequenciamento genético dos casos do novo coronavírus no Brasil.

No caso da UnB, o trabalho é feito em parceria com os laboratórios da rede Sabin (privada) e do Lacen (Laboratório Central de Saúde Pública) do DF.

"O sequenciamento serve para nós conhecermos a organização genômica do vírus. O sequenciamento ajuda a tentar entender os parâmetros de como o vírus pode se espalhar no território nacional. E uma outra questão é que serve para monitorar os eventos de mutação (do vírus)", diz Ikaro.

"Esse monitoramento serve para verificar se essas mutações poderão afetar alguma característica biológica do vírus. Por exemplo, reforçar o caráter de patogenicidade (a capacidade de provocar doenças)", explica ele.

O doutorando é orientado por dois professores da UnB: os virologistas Tatsuya Nagata e Fernando Lucas de Melo. Este último diz que, por enquanto, a "equipe" no laboratório de virologia conta com apenas duas pessoas: ele mesmo e Ikaro.

"Somos eu e ele, na verdade. Estou aqui, neste exato momento (começo da tarde de sábado, 27 de março) trabalhando", diz Fernando. A tarefa consiste em sequenciar o genoma das amostras de vírus enviadas pelos laboratórios, com o consentimento dos pacientes.

"Na semana que vem, vamos enviar um projeto para fazer o sequenciamento em massa da doença", explica ele. "Por enquanto, estou usando dinheiro de outros projetos que a gente tinha para fazer o sequenciamento do corona (...). A ideia é depois fazer isso de forma mais intensa, que é o que as pessoas no Brasil inteiro estão fazendo", diz.

"Sem sequenciar o genoma (do vírus) você não consegue investigar como é o padrão de transmissão. Por exemplo: eu consigo te mostrar que a maioria das infecções no Brasil vieram de amostras da Europa e dos Estados Unidos. Causaram essas infecções localizadas. E a partir do momento em que eu tenho a transmissão dentro do país, é preciso saber como o vírus está se movendo aqui", explica o professor.

"Em Brasília, por exemplo, o avião presidencial (a comitiva que acompanhou o presidente da República na viagem a Miami, nos EUA) é um cluster (um centro) de transmissão com 23 pessoas. Se eu sequenciar todas elas, e começar a sequenciar o genoma de todos os pacientes de Brasília, consigo te dizer se, e como, esse grupo contribuiu para espalhar a epidemia aqui", explica o professor.

'Não terei como continuar o trabalho'

Fernando Lucas de Melo diz que o programa de pós-graduação do qual Ikaro participa, o de biologia microbiana (PGBM), é relativamente recente. É por isso que o curso possui nota quatro na escala da Capes (que vai até sete).

"A UnB nos informou que não recebeu nenhuma cota para esse curso específico. A alternativa era conseguir alguma bolsa emergencial com a universidade, pelo fato de ele estar estudando o corona. Mas, até agora, não recebemos nenhuma indicação de que isso vá acontecer", diz o professor.

O projeto inicial de Ikaro era trabalhar com a identificação de novos vírus que afetam animais vertebrados — o que inclui também aves, peixes, anfíbios e répteis, além dos mamíferos como o homem. O início da pandemia, porém, fez ele incluir uma tarefa a mais em seu dia a dia. "Pelo fato do coronavírus ser correlato ao meu trabalho, resolvi ajudar (no sequenciamento)", diz ele.

Ikaro é natural de Gurupi (TO), cidade de menos de 100 mil habitantes localizada a quase 800 km de Brasília. Ele se mudou para a capital federal há alguns anos, para o mestrado. Sua situação econômica o habilitou a usar a assistência estudantil da universidade — o que inclui um alojamento para alunos da pós-graduação.

As regras da UnB determinam, porém, que ele deve deixar o local depois de concluir o mestrado. Contando com a bolsa do doutorado, ele alugou um imóvel próximo à universidade. Mas, agora, não sabe se conseguirá honrar o compromisso.

"Sendo bem honesto: sem a bolsa, sem o financiamento, eu não consigo me manter fazendo a minha tese. Porque, infelizmente, Brasília é uma cidade cara. O custo de vida aqui é alto", diz ele.

"Eu não consigo me manter só com a ajuda da minha mãe. Não vou conseguir contribuir para o meu país como pesquisador, e me aprimorar na pesquisa da microbiologia", diz ele. Ikaro diz que seu objetivo, depois de concluído o doutoramento, é atuar como professor universitário.

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