Empresa foi extinta em agosto de 2019. Falta de integração nos planos de drenagem das cidades da Grande SP favorece inundações a longo prazo, segundo especialistas. Governo afirma que atribuições da empresa foram repassadas para a Secretaria de Governo e Secretaria de Desenvolvimento Regional.
A extinção da Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano (Emplasa), aprovada pelo legislativo paulista em maio de 2019, pode ter comprometido a articulação entre os 39 municípios da Grande São Paulo para planejar, de forma integrada, ações contra enchentes e inundações, segundo associações e especialistas.
A empresa, que era responsável por todo o planejamento urbano da região metropolitana, incluindo a elaboração de mapas e planos de ação, foi extinta em agosto após a aprovação de proposta enviada ao legislativo pelo governador João Doria (leia mais sobre o processo de extinção das estatais abaixo).
Para associações e especialistas ouvidos pelo G1, a solução para as enchentes na Grande SP pede um novo planejamento urbano intermunicipal. Para eles, falta integração entre as cidades da região metropolitana para lidar com enchentes.
"A extinção da Emplasa passa o recado, não só pra comunidade técnica, mas também para a população, de que a coordenação entre as cidades não importa muito, que o planejamento pode ser feito caso a caso", diz Luciana de Oliveira Royer, professora de planejamento urbano da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP.
Em nota, o governo estadual afirma que "não há qualquer relação entre a extinção da estatal Emplasa e a alegada falta de coordenação nas ações da Grande São Paulo" e que as atribuições da empresa foram repassadas para a Secretaria de Governo e Secretaria de Desenvolvimento Regional do governo estadual (veja a nota completa abaixo).
Obras realizadas em afluentes do Tietê, por exemplo, podem comprometer o curso do rio em cidades vizinhas e aumentar inundações em locais distantes. Além disso, a abertura de barragens do rio também pressiona o sistema de drenagem de municípios vizinhos, como ocorreu com cidades do Alto Tietê após a chuva desta segunda-feira (10). Para os especialistas e associações, esses dois casos são exemplos da ausência de articulação no planejamento urbano das cidades da região, o que era tarefa da estatal que foi extinta.
Comunicado no site da Emplasa informa que a estatal foi liquidada em agosto de 2019 — Foto: Reprodução
G1 usou drone para sobrevoar o Morro do Socó, em Osasco, após uma casa deslizar e um menino ser soterrado e resgatado com vida — Foto: Giaccomo Voccio/G1
Articulação entre municípios
A região metropolitana registrou mais de 900 pontos de alagamento após o temporal desta segunda-feira (10). Além da capital, cidades como Barueri, Taboão da Serra e Osasco também foram severamente afetadas.
Para Royer, o episódio ilustra como a coordenação entre as cidades da região metropolitana não é priorizada pelo governo estadual.
"O prefeito de uma cidade da Grande SP pode fazer obras maravilhosas, mas ele não vai conseguir resolver o problema das enchentes porque a origem não está ali, está na cabeceira do rio, ou na capital, ou em outra cidade. Ele não tem condição de resolver nada sem um plano de drenagem integrado da região metropolitana, que hoje não existe," afirma Royer.
Pesquisador do Programa Cidades Globais do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, Ivan Maglio avalia que os órgãos estaduais que assumiram as funções da Emplasa não têm o olhar estratégico que a empresa propunha para integrar planos de diferentes cidades.
"Os órgãos que autorizam obras de drenagem não tem essa visão de conjunta, tanto pelo lado ambiental quanto pelo lado urbano. Para piorar, muitos ainda se baseiam conceitos ultrapassados de engenharia, que privilegiam a entrega de grandes obras, o que está ultrapassado nesse momento de emergência climática", afirma Ivan Maglio, pesquisador do IEA-USP.
Maglio lembra que, embora as cidades da região metropolitana tenham obrigação de apresentar planos de drenagem, a análise conjunta dos diferentes planos era feita pela Emplasa por meio do Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado (PDUI).
"Esse tipo de leitura integrada era feita pela Emplasa. Eles falavam justamente de como as diretrizes precisam se falar, porque não adianta nada seguir os planos para enchente em cada municípios se eles não conversam entre si", afirma o engenheiro, que estuda a necessidade de adaptação das cidades frente às mudanças climáticas.
Como exemplo, Maglio cita a canalização de rios: "Se Guarulhos resolvesse canalizar todos seus rios, mesmo que isso esteja de acordo com os planos municipais dali, essa medida vai rapidamente afetar o curso do Tietê em outras cidades. O mesmo poderia acontecer com mudanças no ABC, em rios da bacia do Tamanduateí, isso também vai chegar no Tietê. Então nós temos um conjunto de questões e nenhum planejamento integrado."
Ações coordenadas
Samuel Barrêto, gerente de água da The Nature Conservancy (TNC) no Brasil, explica que é necessário pensar em um conjunto de ações, e não em intervenções individuais contra as inundações, como piscinões e canalizações de córregos.
"Temos observado o uso e ocupação de solo em áreas irregulares, inclusive áreas de risco, como áreas íngremes e suscetíveis a deslizamentos. Essa gestão territorial é fundamental e precisa ser desenvolvida em parceria com os municípios, assim como o conjunto de intervenções, para minimizar as enchentes na Grande São Paulo no futuro", afirma Barrêto.
Segundo Luciana Mayer, da FAU-USP, as ações da empresa já não eram privilegiadas dentro do governo estadual há muitos anos. Mas, para ela, o ideal seria reestruturar a estatal para que sua produção fosse melhor aproveitada, ao invés de optar pela sua extinção.
"A Emplasa tem décadas de trabalho com um compilado de mapas, dados e informações complexas que são essenciais para o planejamento da região metropolitana, mas a Estatal já não estava com uma centralidade há um tempo. Quando o governador extinguiu e remanejou as funções de planejamento houve uma descrença muito grande na comunidade", afirma.
"Alguém tem que planejar o urbanismo, e o governo do estado não tem por hábito planejar. Pelo menos antes eles davam para a Emplasa essa atribuição de planejar, mas não significa que eles usavam de fato nossa produção", diz Sania Cristina Dias Baptista, arquiteta urbanista que atuava como coordenadora de projetos na Emplasa.
O engenheiro civil José Manoel Ferreira Gonçalves, ligado ao Sindicato dos Engenheiros do Estado de São Paulo (Seesp), enviou ao Ministério Público de São Paulo (MP-SP) uma representação por improbidade administrativa contra o governador João Doria por conta da extinção da estatal.
"Essa liquidação é inadmissível. O argumento de que as funções foram repassadas para outros órgãos é falacioso porque esses órgãos não tem a menor condição de fazer o planejamento que a Emplasa fazia", afirma Gonçalves.
"A empresa tinha a função de reunir gente pensando e planejando soluções, refletindo pro futuro, e não olhando caso a caso, como o governo vem fazendo desde sempre", diz o engenheiro José Gonçalves.
Funcionários da Emplasa detalham sistemas Cartográfico e de Dados Espaciais em conferência realizada pela empresa em 2016 — Foto: Divulgação/Emplasa
Ex-funcionários da Emplasa alertam ainda que o acervo técnico da empresa está sob ameaça. Segundo Sania Baptista, a transição de dados e mapas da estatal para as entidades estaduais que deveriam assumir suas atribuições não está sendo executada a contento.
"Na realidade não está havendo transição alguma. É fácil assinar um documento dizendo que outra instituição fará as funções daquela extinta, mas isso não é uma medida tão automática. As abas do site para acesso às informações cartográficas, que antes eram abertas ao público, já foram bloqueadas, e ninguém explica como se pode fazer para acessar os dados", critica o engenheiro José Gonçalves.
Extinção criticada
A Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) aprovou em maio o projeto de lei do governo João Doria (PSDB) que extinguiu três empresas estatais e fundiu outras duas.
O texto original do projeto autorizava o estado a extinguir, vender ou fundir seis empresas estatais: a Dersa; a Companhia de Obras e Serviços (CPOS); a Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano (Emplasa); a Companhia de Desenvolvimento Agrícola (Codasp); a Companhia de Processamento de Dados (Prodesp) e a Imprensa Oficial do Estado.
No entanto, para que fosse aprovado, os deputados fizeram pressão para que a Dersa fosse retirada do pacote. Com as mudanças no texto final, foram extintas a Codasp, da CPOS e a Emplasa. A Imprensa Oficial acabou sendo incorporada pela Prodesp.
Na época da extinção, funcionários das estatais criticaram a medida.
Entidades especializadas, como o Conselho de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo (CAU-SP) e o Sindicato dos Engenheiros do Estado de São Paulo (Seesp), também se posicionaram contra a aniquilação da Emplasa.
Em nota, o CAU-SP destacou que a estatal "ao longo de seus 45 anos vem cumprindo relevantes serviços ao Planejamento no Estado de São Paulo".
Também em nota, o Seesp relacionou a falta de planejamento e a extinção da Emplasa às enchentes na Grande SP.
"Enfrentar os desafios urbanos, ampliar segurança e qualidade de vida à população e garantir desenvolvimento exigem planejamento, o que requer dados precisos e profissionais qualificados", disse Murilo Pinheiro, presidente do sindicato. "A extinção da Emplasa vai na exata contramão dessas premissas e certamente aumenta nossas dificuldades de encontrar soluções às regiões metropolitanas, inclusive para problemas que se transformam em tragédias, como é o caso das enchentes."
Reclamações após enchente
Citada por especialistas como exemplo da falta de coordenação entre cidades da região metropolitana, a abertura de barragens do Tietê já traz problemas para municípios da Grande São Paulo.
Para evitar que o nível d'água continuasse subindo na capital, o Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) autorizou o fechamento de comportas do rio Tietê na segunda-feira. A medida, no entanto, desagradou prefeitos de municípios do Alto Tietê, que reclamaram dos reflexos negativos que o fechamento da Barragem da Penha trouxe para as cidades em nota do Consórcio de Desenvolvimento dos Municípios do Alto Tietê (Condemat).
"O fechamento da Barragem da Penha, na chegada a São Paulo, provoca o represamento da água do Rio Tietê nos trechos anteriores, justamente aqueles que estão nas cidades do Alto Tietê", disse o Condemat.
O manifesto do Condemat destaca ainda que em Guarulhos, Itaquaquecetuba, Suzano e Mogi das Cruzes o nível do Rio Tietê já se encontrava muito elevado antes mesmo da chuva da madrugada desta segunda.
A medida adotada pelo governo estadual para controlar os transtornos registrados na capital causou o agravamento de alagamentos, o que acarretou, inclusive, a remoção de famílias em algumas regiões.
"As prefeituras já estão mobilizadas com suas equipes para atuar nos casos emergenciais e o Condemat também faz gestão junto a Secretaria de Estado de Infraestrutura e Meio Ambiente para ser informada imediatamente sobre as manobras técnicas e para a tomada de providências, a fim de minimizar os transtornos nas cidades da Região", afirma a nota.
O prefeito de Mogi das Cruzes, Marcus Melo, lembra que as cidades da região não podem interferir nas manobras realizadas pelo DAEE nas comportas.
“Nós, prefeitos, não temos controle sobre as manobras técnicas adotadas pelo DAEE, mas medidas como essa refletem diretamente nas nossas cidades e são as equipes municipais que precisam estar mobilizadas no atendimento das famílias nas regiões mais afetadas", afirma Marcus Melo, prefeito de Mogi das Cruzes e presidente do consórcio de prefeitos da região.
"Por isso, é fundamental que o governo estadual dê o suporte necessário aos municípios até porque a previsão é de um grande volume de chuvas nesta semana."
Veja a íntegra da nota da Secretaria de Governo e Secretaria de Desenvolvimento Regional do estado de São Paulo:
Não há qualquer relação entre a extinção da estatal Emplasa e a alegada falta de coordenação nas ações da Grande São Paulo apontada por críticos e classificada com a adjetivação “bagunçada”, sem respaldo na realidade. A coordenação e gestão de macrodrenagem na região metropolitana nunca foi atribuição da Emplasa. Os planos foram desenvolvidos ao longo do tempo pela Secretaria de Recursos Hídricos e seus órgãos e empresas(EMAE, DAEE e Sabesp) e hoje pela atual Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente. O que há de concreto é que a Emplasa, uma estatal , com produção restrita e custos aos cofres públicos, para cobrir seus déficits anuais.
No seu processo de liquidação, a transferência das suas atribuições está perfeitamente clara. As ações metropolitanas de macrodrenagem continuam a cargo da Secretaria de Infraestrutura, em colaboração com corpo técnico do IPT, Instituto de Geologia e Cartografia. O acervo técnico da Emplasa está todo preservado e em transferência para o Arquivo Público do Estado e colocado à disposição de pesquisadores e especialistas da área.
Além disso, a Secretaria de Desenvolvimento Regional (SDR) possui o Fundo Metropolitano de Financiamento e Investimento (FUMEFI) e seu conselho paritário. O Conselho de Desenvolvimento da Região Metropolitana de SP tem se reunido periodicamente e trata pautas metropolitanas, reunindo secretários de Estado, Prefeitos da região Metropolitana e representantes das mais diversas áreas como Infraestrutura e Meio Ambiente, Habitação, Transportes Metropolitanos, Fazenda e da própria SDR. Os recursos do Fumefi são aplicados em áreas como infraestrutura urbana (pavimentação, drenagem, guias, sarjetas, sinalização e urbanização), implantação de terminais de ônibus, construção de pontes e viadutos, corredores viários, aquisição de máquinas e equipamentos, serviços de macrodrenagens, construção de canalizações e piscinões, reurbanizações de áreas centrais e periféricas, entre outras ações.
Os recursos garantem projetos de interesse metropolitano e favorecem cidades com maior passivo social. A aplicação dos recursos e investimentos aprovados de 2019 somaram R$ 59 milhões, sendo que R$ 38 milhões foram para pagar dividas deixadas do ano anterior, não pagas no final de 2018. A Gestão do Governador João Doria acertou este passivo e ampliou R$ 21 milhões para que os municípios apresentassem novos projetos.
A SDR deve encaminhar ainda no primeiro semestre de 2020 à Assembleia Legislativa o Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado (PDUI), que dará diretrizes de crescimento e ocupação da Região Metropolitana de São Paulo e irá colaborar com ações sustentáveis ao longo das próximas décadas.