Tucano tem contabilizado a cobertura de aposentadoria como recurso destinado à educação
O governador João Dória, durante convenção da executiva do PSDB, em Brasília - Pedro Ladeira/Folhapress
SÃO PAULO
O governo João Doria (PSDB) tem repetido uma prática de seus antecessores considerada irregular tanto pelo TCE (Tribunal de Contas do Estado) como pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.
A gestão dele, assim como fizeram Geraldo Alckmin (PSDB) e Márcio França (PSB), tem contabilizado como recursos destinados à educação a cobertura de gastos com aposentadoria de servidores.
Doria é postulante à Presidência da República em 2022 e se apresenta como um gestor na administração pública.
Neste ano já foram desviados R$ 2,8 bilhões do ensino para a Previdência (de aposentados da área), segundo dados do Ministério Público de Contas.
A Constituição paulista determina que o governo aplique o mínimo de 30% da receita de impostos em despesas de manutenção e desenvolvimento do ensino. O percentual supera o piso da Constituição Federal, que é de 25%.
Na prática, porém, o investimento do governo paulista em educação tem ficado abaixo do índice legal desde ao menos 2011, segundo o Ministério Público de Contas.
Os governadores paulistas se baseiam em leis estaduais para sustentar a manobra contábil. No entanto, a última lei aprovada nesse sentido, de 2018, teve a eficácia suspensa em abril por decisão provisória do Tribunal de Justiça.
A assessoria do governo informa que a prática segue normalmente, mesmo após a decisão judicial —contra a qual o estado recorreu. Em maio, por exemplo, o estado contabilizou R$ 572,2 milhões gastos com Previdência como despesas de ensino.
No ano passado, um total de R$ 7,9 bilhões referentes à cobertura de gastos com Previdência foi computado como despesa de educação.
Com isso, o investimento em ensino alcançou 31% das receitas. Se descontada a manobra, o percentual fica em 25% —limite da Constituição Federal, mas fora do limite exigido pela Carta estadual.
Por causa desse desvio bilionário, pela primeira vez o Ministério Público de Contas deu parecer pela rejeição do balanço orçamentárioapresentado pelo governo paulista relativo ao ano de 2018, quando os governadores foram Alckmin (janeiro a março) e França (abril a dezembro).
A análise das contas de 2018 ainda tem que passar pelo plenário do TCE (que emite parecer contrário ou favorável) e pela Assembleia Legislativa (que aprova ou rejeita as contas). A sessão no TCE está marcada para quarta-feira (26).
O TCE também veta contabilizar gastos com inativos como investimentos no ensino. Em 2016, o tribunal avisou ao governo paulista que passaria a puni-lo pela prática a partir de janeiro de 2018, oferecendo, portanto, um período para adequação das contas.
O secretário da Fazenda, Henrique Meirelles (MDB), no entanto, estimou que o governo precise de prazo até 2020 para banir a manobra.
"Não dá para pedir, de novo, para prorrogar pela enésima vez um algo que já se sabe que é proibido, que é errado e que custa o futuro das crianças", afirma a procuradora Élida Graziane Pinto, do Ministério Público de Contas.
Dados do órgão mostram que, desde 2011, o montante desviado da educação para pagar inativos chega a R$ 43,9 bilhões, em valores corrigidos pela inflação.
"O saldo total é muito volumoso para que se negue a existência do problema. O problema é antigo e complexo, mas não é por isso que podemos adiá-lo mais uma vez, postergando indefinidamente", completou a procuradora em fala na Comissão de Finanças e Orçamento da Assembleia.
PRÁTICA ANTIGA
A prática é mais antiga que isso: em 2000, uma comissão parlamentar de inquérito da Assembleia concluiu que, de 1995 a 1999, o governo paulista não alcançou 30% de investimentos em educação. Desde 1995, o PSDB governa São Paulo, com curtos períodos de interrupção.
A manobra já foi considerada irregular pelo TJ-SP ao analisar o caso semelhante do município de São Paulo e pelo ministro Ricardo Lewandowski, do STF (Supremo Tribunal Federal), em ação sobre Goiás.
Uma lei estadual de 2007, que autoriza a prática no estado de São Paulo, é alvo de ação no STF. Justamente porque essa lei está sob questionamento é que o governo conseguiu aprovar, em dezembro do ano passado, nova legislação para legitimar o desvio de recursos da educação.
A norma, derrubada pelo TJ-SP em abril, retroage a janeiro de 2018 e permite que gastos com Previdência sejam computados não para atingir os 25% determinados pela Constituição Federal, mas somente no excedente de 5% para alcançar os 30% da Constituição estadual.
No primeiro bimestre de Doria, o gasto com aposentados alcançou 5,6% do piso destinado à educação. No segundo bimestre chegou a 6,15%. Ou seja, valores acima dos 5% autorizados pela lei estadual.
Como o piso de 30% é verificado apenas após o fim do ano, por enquanto não há irregularidade, pois pode haver compensação nos próximos bimestres.
"Essa diferença [de mais de 5%] é muito sugestiva. Provavelmente o estado vai continuar fazendo isso", diz a vice-coordenadora do curso de administração pública da FGV, Cibele Franzese. "O gasto com inativos tem crescido em todas as unidades da federação", completa.
Para não ter que aumentar o gasto com educação num momento de crise econômica, o Governo de São Paulo costura outras saídas. Uma opção é que o TCE conceda novo prazo para adequação das contas.
Enquanto o governo paulista ganha tempo, há medidas em âmbito federal que resolveriam o impasse, como a reforma da Previdência ou o Plano Mansueto, que prevê que as alíquotas mínimas para educação não superem os 25% da Constituição Federal.
"Duvido que o governo vai arrumar mais 5% para pagar inativos numa situação de orçamento apertado. Acho que vão brigar para que essa regra [de pagar aposentadoria com recursos de educação] volte a valer ou vão aprovar nova legislação", opina Franzese.
Caso o governo Doria insista na manobra contábil e, ao final do ano, ficar comprovado que o piso da educação não foi alcançado, especialistas não descartam uma ação de improbidade.
O governo do estado afirma que pretende continuar com o entendimento de que as despesas com inativos da educação podem ser computadas para atingir os 30% de gastos com ensino determinados pela Constituição estadual, mas não para os 25% da Constituição federal.
Por isso, o estado recorre na Justiça da decisão que proibiu essa prática.